Compliance pode ser sua melhor defesa
As fintechs se tornaram protagonistas no mercado financeiro brasileiro. Rapidez, inovação e fácil acesso atraem milhões de clientes todos os dias. Mas junto com o crescimento do setor, surgem também riscos jurídicos que muitos empreendedores ainda subestimam.
É comum, atualmente, que donos e sócios de fintechs já estão sendo processados criminalmente por golpes cometidos por clientes dentro das plataformas? Isso não significa que todo empresário do setor esteja automaticamente em risco, mas mostra a importância de entender onde começa e onde termina a sua responsabilidade.
Cada vez mais, empreendedores do setor precisam de defesa técnica especializada, porque é bem diferente responder por um erro de consumidor e ser acusado de lavagem de dinheiro, associação criminosa ou estelionato eletrônico.
Responsabilidade Civil: quando a fintech responde pelo cliente
No campo cível, a responsabilidade das fintechs é objetiva: pelo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, basta a comprovação do dano e do nexo com o serviço para que haja obrigação de indenizar, mesmo sem culpa direta da empresa. Isso significa que, se um cliente for vítima de fraude ou golpe usando a plataforma, a fintech pode ser condenada a reparar o prejuízo.
O Marco Civil da Internet reforça esse dever ao impor obrigações de segurança, sigilo e transparência no tratamento das informações. Já a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) vai além: como controladoras ou operadoras de dados, as fintechs devem prevenir e responder a incidentes de segurança, sob pena de sofrerem sanções da ANPD e ações de indenização por danos materiais e morais.
Responsabilidade Penal
Na esfera penal, o cenário é bastante distinto da responsabilidade civil. Sócios, diretores e administradores de fintechs não respondem automaticamente por fraudes ou golpes praticados por clientes. Para que exista responsabilização criminal, é indispensável comprovar a existência de dolo, isto é, a participação consciente na conduta ilícita, ou então de culpa grave, caracterizada por negligência evidente na gestão da empresa.
Os crimes mais comuns que podem surgir em investigações envolvendo fintechs são a lavagem de dinheiro, prevista na Lei nº 9.613/1998, quando há facilitação consciente de movimentações ilícitas; a gestão fraudulenta ou temerária, prevista na Lei nº 7.492/86, nos casos em que a fintech seja equiparada a instituição financeira e se constate dolo na condução das atividades; e o estelionato eletrônico, previsto no artigo 171, §2º, do Código Penal, quando há envolvimento direto com as fraudes cometidas.
Entretanto, é importante ressaltar que, na ausência de participação direta, de omissão dolosa ou de indícios de que o gestor se beneficiou dos golpes, a responsabilização penal pessoal dos sócios se torna questionável. O Direito Penal, diferentemente do Civil, exige prova da conduta e da intenção ou da grave negligência para legitimar qualquer condenação. Assim, a atuação preventiva com políticas de compliance e mecanismos de controle não apenas protege a empresa, mas também demonstra a boa-fé dos administradores, afastando suspeitas de conivência com práticas criminosas.
Responsabilidade Administrativa
No âmbito administrativo, as fintechs estão sujeitas à fiscalização do Banco Central e do COAF, que exigem políticas eficazes de prevenção à lavagem de dinheiro. O descumprimento de obrigações como a correta aplicação do KYC, a comunicação de operações suspeitas e a manutenção de registros pode resultar em multas expressivas e até na cassação da autorização de funcionamento. Por isso, manter um programa de compliance sólido não é apenas uma exigência regulatória, mas também uma forma de garantir a credibilidade e a continuidade da empresa no mercado financeiro
Onde Está a Linha de Corte para o Dono da Fintech?
A fronteira entre responsabilização e proteção do sócio ou administrador está na efetividade do compliance. Não basta que a fintech tenha políticas ou programas formais; é essencial comprovar que essas medidas foram realmente aplicadas no dia a dia da operação, diferenciando uma gestão diligente de uma postura omissiva ou conivente.
Quando a empresa mantém programas de KYC e AML ativos, envia relatórios periódicos ao COAF, atualiza registros e apresenta logs, comunicações e auditorias, os sócios demonstram que adotaram todas as medidas razoáveis para prevenir fraudes. Esses elementos funcionam como prova de que a fintech não se beneficiou das práticas criminosas e também foi vítima do uso indevido de sua estrutura.
Por outro lado, normas internas sem execução prática podem ser interpretadas negativamente. A omissão consciente ou a “vista grossa” diante de irregularidades pode caracterizar dolo eventual, assumindo-se o risco de permitir a ocorrência das fraudes. O ponto de corte está justamente na diferença entre uma gestão responsável, que comprova controles eficazes, e uma administração negligente, limitada a formalidades sem aplicação prática.
Estratégias de Defesa para Fintechs e Sócios em Processo Criminais
A defesa técnica deve explorar teses jurídicas sólidas, como:
- Ausência de dolo específico: o sócio não participou do golpe, não se beneficiou e não tinha ciência da fraude.
- Cumprimento das normas vigentes à época: antes da IN 2.278/2025, as obrigações das fintechs eram diferentes das aplicadas a bancos, e não se pode exigir deveres retroativos.
- Boa-fé objetiva: existência de políticas de compliance, relatórios enviados ao COAF e auditorias internas.
- Responsabilidade do cliente golpista: muitos esquemas envolvem o dolo exclusivo do próprio cliente, como em pirâmides financeiras ou falsas operações de trading.
- Limitação da função de gatekeeper: fintechs não têm os mesmos meios de polícia judiciária para investigar a origem de todos os recursos. Sua obrigação é implementar controles proporcionais, não eliminar totalmente o risco.
Conclusões
Se você é sócio ou dirige uma fintech e está preocupado com sua exposição jurídica, é importante saber que existem soluções. Com compliance robusto, documentação clara e uma equipe jurídica especializada em direito digital e fintechs, é possível reduzir significativamente riscos penais e fortalecer a defesa da empresa e de seus administradores.
O caminho mais seguro para proteção dos sócios e da empresa envolve três pilares. O primeiro é compliance especializado, com criação e execução de políticas de KYC/AML, relatórios obrigatórios, auditorias internas e registros que comprovem a efetividade das medidas. O segundo é a defesa criminal estratégica, atuando em investigações, inquéritos e processos para demonstrar ausência de dolo, cumprimento das normas da época e limites da responsabilidade dos gestores. Por fim, a perícia digital analisa logs, transações, bases de clientes e sistemas internos, comprovando que a fintech também foi vítima de fraudes e não cúmplice de irregularidades.
Para aprofundar o tema, produzimos dois vídeos sobre os riscos que fintechs correm e a importância do compliance técnico e jurídico: