Direitos de clientes nas operações digitais em plataformas para o mercado financeiro e day-trade

Como o Judiciário vem enfrentando as controvérsias jurídicas envolvendo operações no mercado financeiro na era digital e quais são os riscos do uso de bots para operações.

A informatização, ambientes e bancos digitais vêm promovendo um maior acesso de correntistas às oportunidades de investimentos e realização de operações (como day-trade), realizadas de forma online, por meio de softwares e plataformas preparadas e desenvolvidas para interagirem com a bolsa de valores, BMF e para a emissão de ordens de compra e venda de ativos, ligadas também ao banco digital ou à corretora. O mesmo está ocorrendo com os criptoativos, como os conhecidos bitcoins. 

Se antigamente ordens eram verbais ou por telefone e já levantavam polêmicas ou controvérsias judiciais sobre a atuação das corretoras acerca das ordens emitidas ou não para compra de determinados ativos, no ambiente digital, por diversas características estes problemas jurídicos se ampliaram. 

Inicialmente, muitas pessoas que ascendem aos bancos virtuais ou plataformas online de contas já são apresentadas de imediato às plataformas de investimentos. Conquanto algumas são restritas e exigem o consentimento e a assinatura digital para serem ativadas, outras podem ser ativadas por um simples clique. Soma-se isto ao fato de algumas pessoas buscarem investimentos, mas não conhecerem todas as regras e riscos destes ambientes tecnológicos, negligenciando com a segurança das operações. 

Temos, dentre vários, dois cenários críticos. Um, onde o correntista ou o titular contrata uma agência corretora para intermediação, como por exemplo, em aplicações em fundos de investimento. Já o outro cenário, quando o próprio correntista ou cliente atua, operando diretamente a compra e venda de ativos e ações.

No primeiro cenário, já entendeu o TJ/SP que a corretora de valores mobiliários é responsável pelo agente autônomo por ela credenciado e que opera em desacordo com as ordens ou com o acordado entre as partes, causando prejuízos ao cliente, sendo condenada a indenizar por danos materiais (Apelação Cível 992.05.134283-8). Embora a Ré tenha argumentado que sua relação contratual se dava unicamente como distribuidora de valores e não com os operadores de mesa, a mesma fora condenada a indenizar o cliente, considerando o contrato de comissão com o mesmo e a expectativa do cliente em perceber ganhos.  

Por outro lado, o TJ/RJ já enfrentou questões em que trader emitiu uma ordem de compra que não atendeu o limite de crédito definido pelo banco, momento em que a ordem não foi debitada da conta garantia. O trader acionou a corretora. No entanto, foi demonstrado que o cliente tinha conta negativa e não tinha saldo para cobrir o “crédito”, não havendo assim, provas nos autos de que o limite de crédito do autor era “superior” (Apelação 0092156-48.20138.19.0001). A ação proposta pelo trader foi improcedente. Outras demandas, no entanto, decorrem de ordens que foram disparadas pelos clientes, mas “estranhamente” não foram devidamente processadas. A análise dos registros eletrônicos e uma perícia em informática prévia a uma ação de reparação são essenciais ao sucesso da causa. 

São também muito comuns processos nos quais a corretora cobra, via Ação Monitória, os clientes por débitos de ordens autorizadas, e estes negam que tenham dado a ordem. Uma questão de prova técnica em informática. Em processo envolvendo trade junto à BM&F BOVESPA, o Tribunal de Justiça entendeu que não existia nos autos comprovação de ordem ou autorização expressa do Réu para realização das operações. O TJ também considerou o “perfil” do cliente, pronunciando-se em seu julgado que não existiam nos autos, comprovação de que o cliente realizava operações semelhantes à realizada e questionada. Precedente importante e que impõe às corretoras a possível implementação de controles envolvendo medidas técnicas para identificar comportamentos fora do “padrão” de um perfil de cliente.  

O caso foi interpretado como responsabilidade objetiva do prestador de serviço e falha na prestação do mesmo, sendo obrigado a reparar os danos. Nestes casos, a perícia em informática ou a perícia digital é sempre considerada necessária para avaliar os consentimentos nos ambientes digitais (TJ/SP Apelação 0157413-24-2010.8.26.0100). Embora, hoje, grande parte dos bancos digitais contem com a autenticação duplo fator, token e uma assinatura digital específica para compra e venda de ativos (chamada de assinatura), pode ser necessário avaliar se o sistema efetivamente se comportou da forma esperada ou não. 

Outras questões jurídicas permeiam o Judiciário quando o assunto é trade ou investimentos digitais, desde propaganda enganosa de ganhos e ausência de avisos sobre riscos ou limites de investimento, o que fizeram com que pessoas perdessem tudo. A responsabilização da corretora por falha no software oferecido é um tema cada vez mais comum. Na maioria dos processos, a perícia em informática auxilia na identificação do ponto controvertido, e muitas vezes irá determinar se houve culpa do cliente ou da corretora e quais as causas da instabilidade. A culpa do cliente pode, em alguns casos, ser demonstrada, caso este não tenha adotado cautelas mínimas de segurança, recomendações básicas (como stop loss) ou a estrutura recomendada ou necessária para instalação dos sistemas. 

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (71004309381 RS) decidiu a questão envolvendo uma possível falha no sistema da corretora e instabilidades decorrentes de atualização do sistema utilizado para corretagem, com isso acontecendo, destaque para a “perda de preço” das ações. Entendeu a corte que a reparação é justificada em virtude das falhas do sistema que prejudicaram a agilidade de negociações da bolsa. Posto isso, a corretora foi condenada em danos materiais emergentes, entretanto, não havendo a comprovação do dano moral.

Neste cenário, como visto, é inegável que falhas entre os agentes digitais que permitem as operações, podem, sobretudo em um mercado de curtíssimo prazo, causar danos graves. O uso de robôs e algoritmos para a tomada de decisões, de responsabilidade de outras empresas e que operam sobre as plataformas, também podem ser grandes fatores de litígios, onde cabe a plataforma demonstrar tecnicamente que não deu causa à perda do cliente, mas sim o “algoritmo” contratado para operar em nome do mesmo.

Cada vez mais comuns são os processos envolvendo falhas, instabilidades e defeitos em agentes computacionais em operações de bolsa e netbanking em geral. Em casos como este, recomenda-se aos clientes o registro de todas as atividades (gravações – algumas plataformas gravam o dia), a realização de auditoria especializada em informática para parecer sobre o ocorrido e a adoção de medidas jurídicas para a reparação dos danos causados. 

Para as corretoras, a concepção de um ambiente que registre as decisões do trader ou investidor e as atividades do sistema, podendo ser reproduzido (logging) a qualquer momento, inclusive com uma robusta “gestão do consentimento” no ambiente digital, demonstra-se fundamental como medida para mitigar riscos, evitando-se ações judiciais, danos e grandes prejuízos para as operações.

Prof. MSc. José Antonio Milagre, advogado especialista em direito digital, e perito em informática, Pós Graduado em Gestão de Tecnologia da Informação, Mestre e Doutorando Ciência da Informação pela UNESP, Pesquisador em Redes Sociais do NEWSDA-BR da Universidade de São Paulo (USP), Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional da Vila Prudente, atuou na Vice-Presidência da Comissão Estadual de Informática da OAB/SP (2013-2015). Arbitro fundador da Câmara Internacional de Arbitragem e Mediação em Tecnologia da Informação, E-commerce e Comunicação (CIAMTEC.br). Consultor convidado na CPI de Crimes Cibernéticos – CPICyber do Congresso Nacional. É professor de Pós-Graduação em diversas instituições. Autor pela Editora Saraiva em co-autoria com o Professor Damásio de Jesus, dos livros e “Marco Civil da Internet: Comentários à Lei 12.965/2014” e “Manual de Crimes Informáticos”. É colunista da Rádio justiça do Supremo Tribunal Federal (STF). Data Protection Officer Certified by EXIN. Fundador do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet – IDCI.  Site: www.josemilagre.com.br

Carolina Bonfim Coelho, especialista em Direito Digital e Dados, membro do escritório José Milagre & Associados. Site: www.josemilagre.com.br

Emily Lucila de Oliveira, especialista em Direito Digital e Dados, membro do escritório José Milagre & Associados. Site: www.josemilagre.com.br

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