Motoristas e trabalhadores de aplicativos podem ser considerados empregados

A exposição dos riscos às pessoas que integram a economia da inovação em tempos de Pandemia (COVID-19) reacendeu as discussões sobre a classificação dos profissionais de aplicativos, como UBER, e traz novos contornos no nascedouro do modelo de negócios que se expandiu para o mundo. 

A discussão sobre o regime jurídico das pessoas que voluntariamente se cadastram em aplicativos para prestação de serviços, de motoristas a freelancers, pode estar sendo impactada e passa a sofrer modificações nos próximos meses, sobretudo por conta da exposição e fragilidade que o modelo de negócios apresentou para a proteção das pessoas que vivem dos serviços prestados através dos aplicativos.

O Estado da Califórnia, considerado um dos mais rentáveis para os aplicativos, iniciou com contundência a revisão deste debate. O Procurador do Estado move uma ação contra a Uber e Lyft para desclassificar os motoristas como contractors (empreiteiros).

Segundo o Estado, os aplicativos classificam erroneamente seus motoristas como “contratados independentes”, o que viola a nova lei trabalhista do Estado, a AB5, que está em vigor desde janeiro de 2020. Essa, dificulta para as empresas no momento de classificarem os trabalhadores como contratados, ao contrário, favorece os motoristas, pois ao serem tratados como empregados possuem direito à salario mínimo e benefícios, como remuneração e seguro desemprego, um direito aliás que não existe no Brasil, até agora, e que veio à tona durante a pandemia do Coronavírus.

O debate sobre o status dos que trabalham por meio de aplicativos não é recente. Inúmeras são as ações judiciais privadas e coletivas discutindo a classificação dos prestadores de serviços. Por outro lado, temos aqui no caso da Califórnia uma Ação do próprio Estado, inédita, que irá gerar um importante precedente mundial, com muitas chances de mudanças significativas nos entendimentos até então consolidados sobre o modelo de negócios versus direitos sociais. 

A Lei trabalhista estadual incorpora um conceito ou método para identificar ou determinar se o trabalhador deve ser classificado como funcionário ou não, denominado “ABC”, usado em outros casos nos Estados Unidos (Dynamex Operations West, Inc. vs. Superior Tribunal de Los Angeles) onde decisões expandiram a definição de funcionário. O teste está ligado a avaliação sobre quem exerce o controle do trabalho. Três perguntas precisam ser respondidas:

  1. O trabalhador está livre do controle e direção da entidade contratante, tanto no contrato como nas atividades em si?
  2. O trabalhador executa atividades que estão fora das atividades e negócios da entidade contratante?
  3. O trabalhador costuma estar envolvido em outro negócio independente, da mesma natureza que o trabalho realizado para a entidade contratante?

A questão é controversa pois à medida em que a Lei Estadual se torna mais protetiva aos profissionais, no âmbito federal, cartas de opinião facilitam a classificação dos trabalhadores como contratados independentes de acordo com Fair Labor Standards Act.

Não é demais destacar que foi o Estado da Califórnia um dos pioneiros a legalizar e permitir este modelo de negócios, e hoje, vem revendo seu posicionamento e buscando nova classificação, em tempos de COVID-19. O Estado representa a maior fonte de receita da Uber e Lyft. Lá, já existe uma campanha pública dos aplicativos para buscarem se tornarem isentos à legislação. Por outro lado, algumas liminares pretendidas pelos aplicativos foram rejeitadas. 

A guerra também é tributária, já que, classificando “erroneamente” os trabalhadores como contratantes, os aplicativos deixam de pagar significativos impostos ao Estado.  A ação busca, inclusive, a restituição de salários não pagos devidos aos motoristas, multas civis e uma decisão permanente que proibirá as empresas de classificarem os motoristas incorretamente no futuro.  

Uma análise da missão da Uber, que alega que os trabalhadores não podem assim ser classificados pois não participam da missão da empresa, é “inflamar a oportunidade colocando o mundo em movimento”. Bem diferente do que previa em 2018, “A missão da Uber é trazer transporte – para todos, em qualquer lugar”. Com base nesta missão fica evidente que os profissionais do aplicativo são essenciais e conjugam esforços para a missão da empresa.  

No Brasil, no entanto, em fevereiro de 2020 o Tribunal Superior do Trabalho negou vínculo empregatício de um motorista na primeira decisão de última instância sobre o tema. Embora aplicável somente ao caso do motorista, não se descarta a possibilidade da uniformização do entendimento. Com base em uma análise dezenas de vezes mais superficial do que a que vem sendo feita no Estados Unidos, os Ministros brasileiros se embasaram na suposta “prestação de serviços flexível” e “não exigência de exclusividade pela empresa” para afastar o vínculo. Contrariou assim o TST o entendimento do Tribunal Paulista, que em 2018 já havia reconhecido o vínculo. De fato, a autonomia dos trabalhadores, tão pregada pelos aplicativos, não funciona muito bem na prática, sendo que os mesmos devem seguir uma série de regras e até códigos de conduta estabelecidos pelas empresas. Porém destaque-se, esta decisão brasileira se deu quando o mundo não poderia prever o que viria alguns dias depois.  

Agora, com a primeira ação Estatal contra os aplicativos, não há dúvidas que a Uber e outras empresas investirão milhões nesta batalha legal e o resultado impactará em todo o mundo. Para muitos, este modelo jamais deveria ter existido, para outros, um retrocesso no “modelo inovador”.  Seja como for, o fato da propositura da ação estatal fez com que os aplicativos se manifestassem. Ao mesmo tempo em que informam que contestarão a ação, também informam que o momento crítico em que vivemos é, de fato, uma oportunidade para elevar o padrão do trabalho independente se fora trazido pela “economia da inovação”. De que forma? Não sabemos. 

Embora saibamos dos reflexos aos usuários em classificar prestadores como empregados, ninguém questiona que estes milhões de profissionais ficaram desprovidos neste momento crítico, e que a crise gerou uma importante reflexão sobre os direitos sociais nestes modelos de negócios. 

Em meio à crise do COVID-19 estes prestadores de serviços foram reconhecidos como “trabalhadores essenciais” a todos, menos para os aplicativos, que insistem em mantê-los como e independentes. Os riscos a que se expõe são muitos, e não restam dúvidas que algo precisa e, ao que parece, vai mudar. 




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